
Os bens públicos regionais (BPR) podem ser descritos como bens ou recursos passíveis de serem partilhados pelas populações de mais do que um país, de modo mais ou menos não rival e não excludível. Os BPR podem ajudar os países em desenvolvimento a desenvolver economias de escala, em termos da dimensão de mercado, assim contribuindo para o desenvolvimento duma região, e para a paz e estabilidade regionais. Porém, devido a pressões políticas e falhas do mercado, como os dilemas criados pelos BPR perante a presença de externalidades positivas ou negativas
A Iniciativa Colaborativa para a Reforma Orçamental em África (CABRI) desenvolveu um interesse nos BPR pelo impacto que estes produzem para as finanças públicas dos países em África. É por esta razão que a CABRI (com o apoio do Banco Africano de Desenvolvimento) realizou alguns estudos sobre os BPR em África com o intuito de examinar os benefícios e os desafios da provisão dos mesmos, da perspectiva financeira. No 3º Seminário sobre Políticas Africanas, acolhido pela CABRI na Cidade do Cabo, os técnicos superiores de 14 países africanos e representantes de várias organizações internacionais reuniram-se para examinar os Bens Públicos Regionais no contexto africano, os factores que incentivam tais projectos, os mecanismos institucionais que promovem a execução dos mesmos, e os mecanismos financeiros disponíveis.
A colaboração em matéria dos BPR não é tarefa fácil. Um exemplo deste desafio é um caminho de ferro entre o Malawi e Moçambique, que necessita de obras de manutenção numa zona pantanosa localizada em território moçambicano. Este caminho de ferro liga o Malawi a um porto e, como tal, é mais importante para o Malawi do que para Moçambique. Mas, dada a importância menor que Moçambique atribui a esta ligação ferroviária, as obras de reparação da linha não são executadas e o Malawi vê-se confrontado com as externalidades negativas que daí advêm.
Lições-chave
No que respeita à implementação de Projectos de Bens Públicos Regionais, os elementos principais levantados durante os debates sobre o desenvolvimento deste tipo de projectos foram os seguintes:
Emprenho: Um sentimento de objectivo comum, conjugado a um compromisso de longo prazo por parte dos países participantes, deve fundamentar qualquer colaboração pública regional;
- Fundamento institucional: Para que a colaboração seja sustentada, há que criar mecanismos institucionais robustos e flexíveis. Também é importante reavaliar a situação vigente no decorrer do projecto, para explorar se os contributos devem ser ponderados de forma diferente ou, talvez, a necessidade de redefinir as parcerias;
- Capacidades: Uma boa concepção de projecto passa por uma análise prévia ponderada dos mecanismos financeiros, em relação às capacidades das partes envolvidas, de modo a assegurar a devida regulamentação e a aplicação dos projectos regionais.
- Coordenação de projectos: Embora seja necessário ter em consideração as diferentes necessidades de infra-estruturas, a coordenação dos projectos pode conduzir a maiores eficiências de custos (p. ex.: coordenação conjunta da construção duma estrada transnacional e dum cabo subterrâneo contíguo).
- Liderança forte: Na generalidade, os BPR não se revestem da mesma importância para todos os países. Mesmo assim, pode ser útil se uma instituição ou país forte assumir um papel de liderança e apoiar um país mais fraco (nem que esse país seja o que mais beneficia dum bem público), para não prejudicar toda a colaboração regional em torno dum BPR.
Soluções de parceria para projectos regionais
A questão que se coloca é como começar a pôr em prática a colaboração no domínio dos bens públicos regionais e como transformar as soluções nacionais em soluções regionais. Alguns países têm a mentalidade que “por 1 dólar se faz mais no próprio país” e resistem colaborar em matéria dos BPR. É por este motivo que instituições como a CABRI são consideradas importantes para sensibilizar os decisores com respeito às vantagens e ao potencial dos BPR, num contexto mais amplo. As seguintes opções de financiamento, entre outras, foram discutidas:
Parcerias público privadas (PPPs): Quando os objectivos dos sectores público e privado estão em harmonia, os benefícios da colaboração tornam-se evidentes: uma forte participação do sector privado pode contribuir para melhorar a execução dos projectos públicos regionais. O Corredor de Desenvolvimento de Maputo, que faz a ligação entre a África do Sul e Moçambique, é um bom exemplo disto. O sector privado pode também desempenhar um papel instrumental ao providenciar capital de risco, pois o financiamento a partir de dívida, por si, não oferece capital nem é sustentável. É importante lembrar que, embora o sector público, ao planear um bem público regional, adopte uma visão de longo prazo, é possível que os interesses do sector público sejam caracterizados por calendários fixos, o que suscita a necessidade de providenciar o fim da parceria. É possível que as PPP tenham sucesso e, na realidade, têm sido bem sucedidas, mas é importante ponderar bem como fazer aplicar os acordos internacionais.
Uma sugestão passa pela introdução duma base de dados de projectos susceptíveis de obter financiamento bancário, amplamente divulgada, para estimular uma maior participação da parte do sector privado (e dos doadores).
Bancos regionais: Para que as iniciativas regionais possam ser bem sucedidas, convém integrar os bancos como actores principais no financiamento de BPR. Os bancos regionais assumem particular importância nas fases iniciais dos projectos (estudos de viabilidade, etc.), quando o retorno sobre o investimento ainda está por apurar e, por conseguinte, ainda não é atractivo para os investidores do sector privado. Isto também significa que as capacidades dos bancos regionais devem ser reforçadas, tanto no que respeita aos recursos financeiros para apoiar iniciativas regionais, como no que toca à capacitação dos quadros através de formação com respeito a questões como: quais as estruturas de financiamento a desenvolver, qual dos parceiros num projecto de BPR deve receber o financiamento, etc.
Soluções regionais criativas
Um exemplo de opção criativa de financiamento, do qual se pode tirar lições, é o Africa Risk Capacity (ARC), um novo mecanismo criado a partir da colaboração entre a União Africana e o Programa Alimentar Mundial. O ARC não constitui um bem público regional, na pura acepção da palavra, mas trata-se dum bom exemplo dum bem de clube que visa reduzir o risco de externalidades negativas produzidas por calamidades naturais. Trata-se dum fundo de financiamento de risco que permite aos Governos que a ele aderiram, aceder a fundos de contingência para responder a eventuais calamidades, com o objectivo de evitar que os Governos tenham de desviar recursos originalmente destinados a outras actividades.
Embora a colaboração no que respeita a Bens Públicos Regionais seja um desafio, a colaboração transnacional produz várias histórias de sucesso. Uma destas é o projecto de controlo da cegueira dos rios, realizado em África subsariana: o Programa Africano de Controlo da Oncocercose (APOC). O APOC é amplamente reconhecido como um exemplo de boa prática, em que, não obstante conflitos políticos transfronteiriços, o programa continuou a funcionar e tem contribuído de forma significativa para o combate à oncocercose em África.
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A publicação Bens Públicos Regionais. Incentivos, Quadros Financeiros e Mecanismos Institucionais (Link) e o Documento de Base da CABRI sobre Bens Públicos Regionais (Link) serviram de base para os debates no 3º Seminário sobre Políticas Africanas promovido pela CABRI.