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Dupla integração – porquê o género e as alterações climáticas?

16 agosto 2021
Kit Nicholson
Kit Nicholson Climate Scrutiny
(Photo by CABRI)

Kit Nicholson é economista e director da organização “Climate Scrutiny”. Nos últimos 10 anos tem trabalhado prioritariamente no domínio da integração das alterações climáticas nos sistemas de planeamento e de orçamentação em África e na Ásia. Participou no evento de apendizagem e intercâmbio do programa relativo à Orçamentação e Financiamento Inclusivos para as Alterações Climáticas em África (IBFCCA) em Junho de 2021, tendo se debruçado sobre as oportunidades de coordenação da integração do género e das alterações climáticas nos orçamentos e nas finanças.

Ao assistir ao segundo evento de apendizagem e intercâmbio do programa IBFCCA, subordinado ao tema da dupla integração, interroguei-me sobre a razão pela qual a igualdade do género conjugava tão bem numa dupla integração com as acções no âmbito do clima. Isto porque, se formos a ver bem, existem muitos outros candidatos.

Na última década, a acção climática tem sido alvo de mais atenção a nível internacional do que qualquer outro ODS. A CQNUAC coordena um acervo imenso de investigação científica e a Conferência das Partes (CdP) reúne-se anualmente para negociar as contribuições internacionais em prol das acções no âmbito do clima. No encontro do G7 e do G20, são anunciados novos compromissos de financiamento quase à escala da assistência ao desenvolvimento. Não surpreende, portanto, que os defensores de outros ODS, a saber da igualdade do género, queiram associar-se às acções no âmbito do clima. A promoção do género tem adquirido proeminência no âmbito da CQNUAC, tendo conseguido sagrar-se como parceiro principal da acção climática ao promover a dupla integração.

Mas, na realidade, o que se tem passado? A resposta normal é que, frequentemente, são as mulheres que mais sofrem os efeitos das alterações climáticas e (em parte, como resultado disto) conseguem gerir melhor a adaptação às alterações climáticas. Este é um argumento importante que, sem dúvida, justifica uma maior atenção para com a relação entre a acção climática e a igualdade de género (embora, em abono da verdade, alguns aspectos das alterações climáticas afectam os homens mais do que as mulheres). Mas existem outros ODG igualmente afectados pelas alterações climáticas, somo a pobreza, a desigualdade, a fome, a água, a energia, a inovação, as cidades sustentáveis, a vida terrestre e aquática …? Efectivamente, os impactos das alterações climáticas fazem-se sentir em todos os ODS, o que nos leva a procurar responder à razão pela qual o género deve ser o candidato principal para a dupla integração com o clima.

Antes de aprofundar o assunto, talvez nos caiba primeiro interrogar porque motivo as alterações climáticas devem ser conjugadas a outro tema no âmbito da dupla integração. Quando comecei a trabalhar no domínio do desenvolvimento, nos anos oitenta, estava a ser promovida uma nova versão da orçamentação por programas (OPP) nos países em desenvolvimento (esta versão da OPP não deve ser confundida com a versão actual, mais pragmática). O sistema consistia na aprovação dos orçamentos em relação às prioridades políticas, ao contrário de instituições orçamentais, seguido da negociação de dotações orçamentais por parte dos ministérios e entidades públicas. A aplicação deste sistema em 2021 passaria, presumivelmente, pela afectação de verbas a cada um dos ODS e depois exigir que os ministérios comprovassem a sua capacidade de dar resposta a cada um dos ODS. Infelizmente, a experiência com a versão do programa dos anos oitenta não fez objecto de estudo embora, essencialmente, tenha sido um fracasso. O processo orçamento é inevitavelmente, um processo político, que permite apenas um pequeno número de prioridades transversais. As estratégias nacionais de desenvolvimento identificam tipicamente quatro ou cinco temas prioritários. Mais do que isso, e perde-se o foco por completo.

Votando à razão pela qual o clima escolheu o género como seu parceiro principal para efeitos da dupla integração; outra resposta seria que existe uma longa história de orçamentação para o género, assente em abordagens semelhantes às da orçamentação para o clima. Os métodos de marcações utilizado pela OCDE para o género e para o clima são semelhantes (e ambos enfrentam desafios muito semelhantes, a saber a dificuldade em evitar “branquear” o género ou o clima, com respeito ao qual existem respostas, mas que nem a orçamentação do género nem a orçamentação para o clima conseguiram resolver com convicção). Posto isto, a tarefa técnica de inclusão dos esforços de integração do género e do clima devem ser viáveis. Suspeito que este alinhamento de metodologias tenha sido importante para a aceitação do género na parceria. A experiência no domínio do alinhamento da integração dos orçamentos do género e do clima na prática é escassa, mas o programa IBFCCA visa responder a isto nos próximos anos.

As semelhanças técnicas das metodologias de integração do género e do clima não parece ser razão suficiente para a dupla integração, embora talvez seja reflexo de uma semelhança mais profunda entre o clima e o género que não é partilhada com outros ODS. Ambos têm implicações para a igualdade. Têm um interesse em comum com a pobreza (ODS1), a fome (ODS2) e a igualdade (ODS10), mas estes três temas têm ocupado um lugar de destaque nas políticas públicas há muitas décadas, e a primazia dos mesmos nas estratégias nacionais de desenvolvimento está garantida. Se for, de facto, uma preocupação com a igualdade que fundamenta a parceria género-clima, então terá certamente implicações para a consecução da dupla integração do género e do clima. Em especial, deve certamente centrar-se no impacto nos rendimentos e na qualidade de vida (ou seja, incidência ao nível dos beneficiários).

Para obter uma perspectiva integral desta questão, seria vantajoso considerar os outros candidatos para a dupla integração com o clima. Existem talvez seis ODS com um foco sectorial relativamente específico: a saúde (ODS3), a educação (ODS4), a água e o saneamento (ODS6), a energia (ODS7), a vida aquática (ODS14) e terrestre (ODS15). Algumas destas são responsabilidades institucionais transversais, mas há quem defenda que assumem uma importância distinta nas negociações orçamentais e não precisam do incentivo que representa a dupla integração. Os dois últimos ODS (justiça e parcerias) são intersectoriais, mas atribuem maior ênfase à facilitação, pelo que são muito diferentes do clima. Resta então o trabalho digno (ODS8), a indústria, a inovação e as infra-estruturas (ODS9), e o consumo responsável (ODS12). Todos eles aspectos intersectoriais, objecto de pouca atenção no orçamento. Suspeito que estes três proporcionarão a mais forte concorrência ao género para figurar na dupla integração. Todos os três são particularmente importantes para o crescimento com baixas emissões de carbono, o tema de destaque na COP26 que decorrerá em Glasgow.

Se o género quiser manter o seu estatuto especial na dupla integração, creio que o deve fazer não ao competir directamente com os ODS8/9/12, mas ao mostrar que a incidência para a integração é diferente: a parceria entre o género e o clima tem a ver com um impacto equitativo face aos riscos, ao passo que a parceria entre o clima e os ODS 8/9/12 está associada à contribuição para o crescimento com baixas emissões de carbono. Em suma, a igualdade do género surge como o único candidato à dupla integração com a acção climática uma vez que: a) se centra na incidência ao nível dos beneficiários; b) é descurado no processo orçamental; e c) diz principalmente respeito à adaptação e não à mitigação. Esta parece ser a verdadeira razão pela dupla integração com o género e uma melhor compreensão deste contexto fornecerá uma perspectiva e orientação claras sobre a concretização desta dupla integração.

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