
A CABRI começou o ano 2025 de forma agitada! O nosso programa de Reforço das Capacidades de Finanças Públicas (BPFC) 2024-2025 terminou com uma conversa à lareira a respeito dos acontecimentos mundiais em curso e as reacções iniciais aos mesmos com os gestores orçamentais das equipas nacionais da Guiné e das Maurícias. No último trimestre, a CABRI também participou em plataformas regionais, como o evento da União Africana em colaboração com a Federação Pan-Africana de Contabilistas e o Diálogo Regional de Alto Nível do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento sobre Sistemas de Finanças Públicas em África.
A perspectiva africana oferece o privilégio de assentar numa compreensão intrínseca da necessidade de melhorar as oportunidades para os cidadãos, e das eventuais consequências do cumprimento dos requisitos internacionais para a soberania nacional – o que, na verdade, se manifesta na própria capacidade de governar e controlar um país.
Embora isto possa ser analisado de muitas perspectivas, e mais recentemente possa ser atribuído a fenómenos exógenos perpetrados por nações que são potências económicas no contexto mundial, pode parecer que, em grande medida, torna qualquer país específico indefeso face à disputa pelo poder político dos gigantes globais. Impõe-se um enfoque deliberado, tanto a nível nacional como regional, na gestão das finanças públicas.
De uma perspectiva africana, há muito a lamentar:
Nas últimas duas décadas, a maioria dos países de baixo rendimento e em desenvolvimento registou uma baixa das suas taxas de crescimento económico. As projecções de crescimento a médio prazo apontam para um crescimento inferior àquele registado após a crise financeira de 2008. Na conjuntura actual, os países enfrentam pressões orçamentais sem precedentes.
A par de uma situação histórica de capacidade limitada de mobilização de receitas, perante a necessidade premente de despesa em serviços públicos essenciais, a pandemia de COVID-19 agravou o nível geral de endividamento dos países. Mantém-se pressão para pagar a dívida histórica, embora muitos dos países não possam financiar as suas próprias necessidades anuais de cuidados de saúde primários.
Mais recentemente, vários novos choques macro-orçamentais - guerras e surtos de doenças – concorrem para aumentar as exigências de despesa nos sectores social e da saúde, já para não falar das catástrofes climáticas e outras ocorrência, todas de proveniência externa aos países. No entanto, as condições dos empréstimos contraídos pelos países e outras formas de assistência não são tão vantajosas quanto há uma década.
Mais recentemente, esta situação tem vindo a piorar com a retirada súbita da ajuda ao desenvolvimento, uma situação que se agrava rapidamente. Há cerca de três meses, foi o choque do anúncio do encerramento iminente do programa da Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), seguido imediatamente pela sua retirada de todos os países. A resposta imediata e racional dos países africanos foi identificar e quantificar o risco, começando pelo risco directo para as áreas dos orçamentos mais afectadas e o impacto noutros sectores nacionais.
Enquanto estavam a ser deliberados os efeitos indirectos dos impactos na arquitectura financeira mundial em geral e nos contextos de ajuda ao desenvolvimento, surgiram notícias de reduções substanciais na ajuda ao desenvolvimento por parte de vários países doadores em todo o mundo, à medida que os governos recém-eleitos assumiam as rédeas. Na última semana, assistimos a uma guerra comercial de contornos mundiais, embora com uma pausa na implementação das tarifas dos EUA, anunciada durante a noite.
De uma perspectiva africana, é evidente que o futuro apresenta armadilhas a evitar:
- Os países africanos devem tomar medidas colectivas – em conjunto, temos de investir nos nossos próprios conhecimentos, competências e recursos e decidir sobre as condições dos empréstimos que pretendemos contrair ou da assistência a ser prestada.
- Os antigos prestadores de ajuda ao desenvolvimento não devem ser simplesmente substituídos por novos doadores e parceiros - os países devem envidar todos os esforços para reduzir os seus défices orçamentais anuais e a acumulação de dívida.
- Os sistemas nacionais devem ser utilizados pelos parceiros e devem ser aperfeiçoados - reduzindo o risco actual de dificuldades em aceder a informações administrativas e outras após a retirada.
- As normas e práticas internacionais de gestão técnica das finanças públicas devem ser revistas – para garantir que o contexto local seja tido em conta na adesão às boas práticas, assim evitando as consequências indesejadas e de confundir o controlo com a governação e a responsabilização.
Na sua essência, a funcionalidade dos sistemas de finanças públicas dos países deve ser reavaliada, focada internamente em todas as esferas de governo e outras partes interessadas e com o propósito de alavancar a colaboração e a cooperação no continente e a nível regional. Sem menosprezar a importância das reformas macro-orçamentais necessárias e da disciplina orçamental descendente, deve ser dada atenção à dotação orçamental ascendente para a prestação de serviços de primeira necessidade aos cidadãos.
O reforço da confiança do público implica assumir responsabilidade directa perante os cidadãos. Para tal, os países devem confiar nas suas próprias arquitecturas e processos financeiros internos, nos seus próprios recursos humanos e, em última análise, nas suas próprias decisões. No domínio interno, os países terão mais controlo da administração e da prestação de serviços sectoriais do que actualmente.
A CABRI tem o privilégio trabalhar em muitos países do continente. Um exemplo é o nosso Diálogo Sobre Políticas que decorreu no ano passado nas Maurícias e cujos participantes consistiam em representantes de 13 ministérios das finanças e da saúde africanos. Surgiu o consenso de que o financiamento directo e a autonomia financeira das unidades de saúde produz impactos. Os dados sugerem que a autonomia na tomada de decisões financeiras na linha da frente aumenta a eficiência da afectação e utilização de fundos para a prestação de serviços de saúde, reforça a transparência e a responsabilização, melhora a capacidade de resposta às necessidades das comunidades locais, com resultados de saúde melhores e mais equitativos. Não obstante a relutância dos ministérios das finanças em aumentar a autonomia financeira das unidades de saúde por receio de perderem o controlo administrativo e financeiro, a arquitectura orçamental e os processos do sistema não parecem ser neutros quanto ao impacto nos serviços prestados.
A experiência revela a necessidade de pragmatismo. Nas unidades mais pequenas, 500 dólares por mês poderiam ser suficientes para fazer face às despesas operacionais básicas, sem apresentar qualquer risco fiduciário importante nem ameaçar a disciplina orçamental do país. Um maior nível de controlo nem sempre assegura uma maior responsabilização, e há que evitar confundir a responsabilização com o controlo. Convém evitar a imposição rotineira a priori de controlos das despesas sem ter em conta o contexto local, pelos riscos que pode induzir. Na realidade, os controlos improdutivos por vezes forçam as pessoas a agir à margem dos sistemas de saúde e outros, assim minando a responsabilização.
Impõe-se uma acção colectiva em todo o continente para podermos alavancar o nosso dividendo demográfico ao aplicar a os nossos conhecimentos intrínsecos do nosso contexto, os nossos recursos humanos e demais factores. Os apelos à benevolência do mundo são insustentáveis. Para fomentar a confiança do público, cabe-nos projectar com propósito um futuro em conjunto e assumir a responsabilidade pelo mesmo, ao recorrer a todos os instrumentos de gestão das finanças públicas criados por nós e utilizá-los com esse objectivo expresso.
Embora a visão dos membros fundadores da CABRI fosse de construir uma rede africana de pares de Estados-Membros para o desenvolvimento colaborativo de uma reforma impactante de gestão das finanças públicas, nada previa o ritmo e o impacto das actuais mudanças a nível mundial.
As anteriores reformas das finanças públicas nacionais e a colaboração da rede CABRI merecem agora ser amplificadas colectivamente.